domingo, 12 de janeiro de 2014

Carta aberta ao Consuni/UFAL



Senhoras e senhores conselheiros da Universidade Federal de Alagoas, esta carta é fruto de nossas preocupações e angústias. Neste sentido, pedimos que leia pacientemente, pois é chegado um momento muito importante de decisão sobre os rumos do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes: ser ou não cedido e gerido pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares?

Esta pergunta deverá ser objeto de muita reflexão, pois inevitavelmente será consequente à comunidade universitária e, sobretudo, à sociedade alagoana – já afetada por muitas mazelas sociais. Não é uma pergunta simples de ser respondida, mas resultado de outras respostas:

O CONTRATO RESPEITA A AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA?
Na minuta não existe esclarecimentos sobre as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Sem a clareza destas informações a ameaça à autonomia universitária é ainda maior. O HU não pode perder a sua condição de órgão de apoio acadêmico da UFAL, essencial para os cursos de saúde. É necessário que se especifique quem acompanhará as atividades, quais serão as condições e estruturas das atividades acadêmicas, etc. Quanto às pesquisas irão atender aos interesses do contratante, conforme a cláusula sétima, inciso XI.

ESTE CONTRATO PODERÁ SER RESCINDIDO?
Apesar de estar previsto no contrato, na prática, a rescisão sofre vários agravantes. Por exemplo: em médio prazo, a maioria do corpo funcional do HU será de funcionários contratados pela Ebserh através do regime celetista; numa possível rescisão estes funcionários não poderão ser incorporados ao serviço público e a universidade ficaria “refém” do contrato. Isto deixa claro que o atual problema de contratação dos trabalhadores terceirizados, resultados de décadas sem a realização de concurso público, precisa ser enfrentado desde a sua origem. Está claro também que a Ebserh é uma manobra para “driblar” ao que rege a constituição: regime jurídico único.

ONDE ESTÃO OS ANEXOS DO CONTRATO?
Não recebemos os anexos citados na minuta, como quadro dos servidores que serão cedidos, inventário dos bens, plano de reestruturação, metas e ações, etc. A minuta é extremamente genérica. Sem o conhecimento destes elementos fica ainda mais difícil entregar o HU à Ebserh.

QUE BENS SERÃO CEDIDOS À EBSERH?
Esta pergunta nem mesmo o CURA conseguiu responder. No dia 18 de dezembro de 2013, o Conselho de Curadores aprovou um parecer favorável à cessão do patrimônio do HUPAA à Ebserh. Cabe-nos lamentar que isso tenha sido feito mesmo sem esclarecimento, em tempo, sobre a vigência do contrato e sem a apresentação de um inventário geral com todo o patrimônio que fora cedido.

Lamentamos também o fato de não ter sido permitida a intervenção de nenhuma pessoa ou entidade durante a sessão, além dos próprios conselheiros do CURA que, à propósito, não participaram da audiência pública sobre a Ebserh promovida pelo Ministério Público Federal em Alagoas no dia anterior. 

E SE A LEI DA EBSERH FOR JULGADA INCONSTITUCIONAL?
Dispositivos da lei 12.550/11 estão “sub judice” no Supremo Tribunal Federal. Trata-se da ADIN 4.895 ajuizada pela Procuradoria Geral da República. Na ação, a PGR requer a declaração da inconstitucionalidade dos artigos 1º a 17 da norma, que tratam das atribuições, gestão e administração de recursos da empresa ou, sucessivamente, dos artigos 10, 11 e 12, que tratam da forma de contratação de servidores da empresa por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de processo seletivo simplificado e de contratos temporários. Não há sentido a adesão a esta empresa sem que esta ação tenha sido julgada no STF, sob o risco de violarmos a constituição brasileira. Trata-se, sobretudo, de um imperativo ético.

A EBSERH É SOLUÇÃO PARA OS HUS? CAOS NA UFPI E UNB DEIXA CLARO QUE NÃO
Em certa ocasião, em dezembro de 2012, um dos membros da gestão da UFAL afirmou: “Não sou capaz de responder se a Ebserh é a melhor solução para os Hospitais Universitários. Sei que é a única solução que nos foi dada”. Afinal, a Ebserh é solução para os HUs? Respondemos categoricamente que não.

Um exemplo emblemático pode ser encontrado na Universidade Federal do Piauí, primeira do país a contratar a Ebserh. Passados quase dois anos, o cenário da unidade hospitalar beira o caos: em virtude das péssimas condições de trabalho, da falta de estrutura para atender os pacientes e demais problemas, uma auditoria feita pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS, comprovou que a Ebserh não implementou os serviços previstos no plano contratual.

As UTIs foram abandonadas e o hospital está lotado com pacientes em macas nos corredores. O problema no hospital não é financeiro, já que o SUS repassa para o HU o valor de R$ 2 milhões por mês. A gravidade da situação tem ocasionado diversos protestos, inclusive por médicos que chegaram a ameaçar um pedido de demissão coletiva.

Infelizmente, a crise com um hospital administrado pela Ebserh não se restringe à unidade de Piauí. No Hospital Universitário de Brasília os problemas não só não foram resolvidos como se agravaram. Setores considerados “menos produtivos”, isto é, com menor potencial para gerar lucro, estão sendo desmontados. As residências de otorrino, pediatria e radiologia passaram a ser realizadas em unidades fora da universidade. Em outras universidades também tem sido denunciado problemas.

O GOVERNO SERÁ INFLEXÍVEL ENQUANTO FORMOS FLEXÍVEIS
Quanto ao fato de a Ebserh ser a única solução dada pelo governo, somos uníssonos ao procurador da república Júlio Marcelo de Oliveira: “(...) o Poder Executivo está atuando de forma inconstitucional, ilegítima e imoral em sua tentativa de implantar a EBSERH nos HUs deste país, usando indevidamente o nome do Tribunal de Contas da União como meio de pressão ilegítima, de absurda coação moral, para constranger os gestores das universidades federais, especialmente seus reitores e os diretores dos HUs, a aceitarem essa verdadeira intervenção na gestão das universidades como única saída legal para o grave problema dos terceirizados nos HUs”.


Para nós está claro que, do ponto de vista ético e político, a decisão sobre a assinatura do contrato com a empresa não pode se dar, nem de longe, por imposição de nenhum governo. Ao contrário disto, precisamos construir e impor ao governo nossa própria alternativa. A decisão tomada pela UFRJ nos aponta este caminho.

No que tange ao problema de pessoal, precisamos nos enfrentar com o governo para garantirmos a realização de concurso público e contratação via RJU, conforme determina a constituição. Se abrirmos mão deste direito agora, estaremos mais fracos nos enfretamentos que estão por vir em outras áreas como a própria educação pública.

ESTA DECISÃO É POLÍTICA
Diante de todos os riscos que a Ebserh traz consigo, é claro para nós que o Consuni não pode se submeter a esta tentativa deliberada de implantar a empresa, a revelia dos movimentos sindical, estudantil, social, inúmeros conselhos profissionais e do próprio Conselho Nacional de Saúde que repudia esta empresa.

Está claro para nós que esta decisão tem um caráter político, mas a decisão que cabe ao Consuni não pode ser vista como mera disputa de grupos políticos que, legitimamente, atuam na universidade. Falamos de política no seu conceito mais genuíno: a disputa de projetos que pretendem promover o bem comum.

Neste contexto, dois projetos estão sendo disputados: o primeiro deles, alinhado às diretrizes neoliberais do banco mundial, interessa ao governo e à Ebserh – “fazer mais com menos”; o outro projeto é o que defendemos – gerir o HU por administração direta do Estado, com eficiência e competência, sem abrir mão do controle social, escolhendo sua direção através dos meios democráticos, contratando via RJU, fortalecendo o Sistema Único de Saúde, etc.

Por fim, na menor das hipóteses, a Ebserh é um risco gratuito. E a menor reflexão que se faça será suficiente para rejeitarmos esse risco. Nesse sentido, esperamos que as senhoras e senhores conselheiros atentem para a posição política de suas bases, que os elegeu, exerçam a sua liberdade e, na melhor das hipóteses, digam NÃO a esta lógica lucrativa na saúde e na educação pública, a este cenário coercivo e a todos os prejuízos que a Ebserh traz intrinsecamente.

Quanto a nós, com todo nosso vigor e reivindicando todas as garantias democráticas que precisam ser respeitadas, estaremos mais uma vez resistindo e defendendo a condição 100% pública e estatal do nosso hospital escola.

MACEIÓ-AL, 13 DE JANEIRO DE 2014.

ASSEMBLEIA NACIONAL DE ESTUDANTES - LIVRE
DCE UFAL QUILOMBO DOS PALMARES
e outras 77 entidades.

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